ANTROPOFAGIA

Nossas mãos lavadas pelo sangue que brotou da terra
Clamam por socorro na rua vazia, dentro da capela,
Assistidas por arcanjos, anjos, santos e velas
Que nada pedem, que nada vivem, apenas esperam pelos passos firmes
Do salvador purificado, do querubim regenerado, guardado em silêncio,
Mudo calado, aberto para o sonho e para a vida fechado,
Olhando as manhãs purificadas pelo incenso da procissão,
Desce a ladeira, levando a espinheira, mantendo-se entre o sim e o não,
Nos passos fiéis, repletos de fé e ardente fervor,
Brotando as lágrimas da emoção do zelo e do ardor.

Quantos peregrinos almejam sua salvação?
Culpados, clamam por absolvição.
Quantos aflitos cambaleantes, temerosos, suplicantes buscam o perdão?
O gemido tímido e calado dos cantos celestiais, esses sim,
Destrincham nossa alma, expõem nossos ossos, nossas dores e instintos animais.
Mas o peregrino segue sua jornada, perdendo tudo, mantendo-se na estrada,
A única companheira sua, rua, crua inveterada.
Resguardada de seus prantos, preservada de seus temores, desnuda de suas flores.

Nos becos de carne vermelha, onde a feiticeira, a bruxa, a vidente
Levanta na voz ausente, e prescreve a doutrina decente para a alma boa que quer partir.
Nos levantes constantes do sol de verão, nas montanhas cobertas da estação,
Em brados abertos de uma canção, a vida segue, a água busca seu mar,
A hiena busca o cadáver, o albatroz tenta voar.
O que se consegue é apenas uma íntima relação com a fé,
Numa cerimônia que tudo parece deixar.
Que a todos concede a prerrogativa de santo, santificar,
Por mais que isso pareça estranho, não será nem perda nem ganho a tentativa modificar.

Parece ignóbil, ignorância tardia em desaparecer,
Tantas luzes acesas para que as bênçãos possam aparecer, envelhecer,
Tenta rejuvenescer, alma velha e cansada, pela vida triturada, torturada, mas
Que hesita com suas forças extintas emudecer.
Traz consigo um coração cicatrizado, uma dor desajuizada e as marcas de um sonho que foi bom.
Lembra através disso de sua estrada da fé, onde nunca voou e sempre foi à pé,
Buscando serenamente a fonte das águas intelectuais, para beber de suas gotas numa forma que não há mais.
Tentou viver o dia, passou todo o verão, tentou guardar a bacia, se perdeu no ribeirão,
E por tudo o que fez, se lembra que nada foi bom, nada foi mal
Suas cicatrizes hoje, apenas o fazem lembrar que seu passado foi real.
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