Passarinho na gaiola

O mesmo homem que é livre
pra tocar sua viola
também deixa o passarinho
preso em uma gaiola
só pra escutar a canção
que o bichinho cantarola

Quando cai numa arapuca
um incauto passarinho
vai levado na gaiola
sem poder voltar ao ninho
podendo deixar no mato
indefeso um filhotinho

Gaiola é sua prisão
e o ninho foi sua casa
Não espere o carcereiro
que na cela se compraza
porque é para voar
que a ele foi dado a asa

Passarinho quando nasce
pra cumprir o seu mister
precisa cantar no galho
e voar quando quiser
Não merece ficar preso
nem um segundo sequer

Um passarinho inocente
quando preso na gaiola
sem direito a alvará
para abrir a portinhola
canta pra fazer feliz
porém nada o consola

Quem vive perto do mato
gosta de acordar cedinho
pra ouvir a melodia
de cada um passarinho
que gorjeia alegremente
conversando no seu ninho

Mesmo pousado em ripeira
nos ramos que a brisa dobra
apresenta um recital
e por ele nada cobra
que pra cantar toda hora
tem um talento de sobra

Quando o homem preservar
com mais rigor a floresta
passarinho inda será
o cantor duma seresta
Mas hoje só tem cantado
na área verde que resta

Os animais urbanos

É um fato corriqueiro
ver nos dias atuais
ocupando as cidades
toda sorte de animais
onde são mais abundantes
que nas áreas naturais

Alguns são pragas urbanas
e por isso indesejáveis
Outros são apreciados
porque são domesticáveis
e conseguem dos seus donos
se tornar inseparáveis

Tem os ratos e baratas
nos esgotos e porões
Os morcegos que escolheram
os teatros e mansões
As pombas vivem nas praças
bem longe dos gaviões

Estes são os animais
que de modo mais profuso
ocupam o mesmo espaço
que é do homem fazer uso
sendo difícil dizer
quem seria o intruso

O cachorro e o gato
que são os mais populares
gozam da intimidade
do aconchego dos lares
apertados pelo nó
dos laços familiares

Mas eles desenvolveram
uma forma diferente
e até mesmo curiosa
de convívio com a gente
por força de adequação
com o novo ambiente

Um guaipeca, por exemplo,
tem um costume engraçado
corre atrás dos automóveis
com latido esganiçado
quando o carro estaciona
disfarça olhando pro lado

Protegido no portão
um vira-lata mestiço
fazendo vez de valente
late pra mostrar serviço
e assusta uma visita
sem ganhar nada com isso

Não quero dar impressão
que falo com menoscabo
mas é muito esquisito
quando um cachorro brabo
roda igualmente um pião
pra morder o próprio rabo

No entanto se ele mostra
dos instintos um vestígio
por sua fidelidade
o cachorro é um prodígio
e com ele só o gato
se equipara no prestígio

Os donos dos animais
são a eles comparados
em histórias e canções,
anedotas e ditados
que já dão uma idéia
do quanto são estimados

Se existem diferenças
entre classes sociais
o problema se reflete
na vida dos animais
que recebem na cidade
tratamentos desiguais

Um cachorro é vira-lata
outro é um fila de raça
Um tem a sua casinha
outro só dorme na praça
Um não tem o pedigree
outro é um cão de caça

Um é gato siamês
tem até veterinário
outro é gato que consome
um almoço tão precário
que se o dono der bobeira
come o peixe do aquário

E o cachorro da rua
em carrocinha levado
sem cometer um delito
no canil é condenado
a ter a pena de morte
quando não é adotado

Seja nas periferias
seja em nossas capitais
descrevi para vocês
mesmo em linhas gerais
como é o tratamento
dispensado aos animais

A praia de Itapuã

A natura generosa
da praia de Itapuã
aparece nos primeiros
raios de sol da manhã
quando as nuvens flutuam
feito fiapos de lã

Na sua orla praieira
quando o dia já estréia
nos salseiros que estão
perfilados em aléia
se escuta o vento passar
em suave melopéia

Outra linda paisagem
se avista em cada monte
que está cercando a praia
de cada lado e defronte
São muralhas do relevo
nas fronteiras do horizonte

Se ouve o cantar festivo
de toda ave canora
encenando as operetas
pelo cenário da flora
e não se paga o ingresso
da sinfonia sonora

Lá no céu em revoada
passam as aves turistas
Um casal de quero-queros
pousa entre os banhistas
para passear na areia
parecendo veranistas

As velas passam suaves
vagarosas e silentes
deslizando pelas águas
que chegam dos afluentes
onde tem bagre e piava
passeando nas correntes

Um barco sai da marina
pra visitar o farol
Se espera o cará graúdo
na pescaria de anzol
e os visitantes descansam
uns na rede outros no sol

Nos molhes vi uma garça
em uma pedra parada
como se ela quisesse
fazer pose perfilada
esperando o momento
para ser fotografada

Descobri que essa garça
é ave de estimação
pois o lambari pescado
ela vem comer na mão
E a tudo isto se vê
nessa praia em Viamão

O viajante do tempo

Nas lonjuras do passado
apareceu um motor
que podia trabalhar
movido pelo vapor
promovendo na história
um momento inovador

Com efeito a invenção
foi o ponto inicial
de uma grande mudança
no cenário mundial
que passou a conhecer
uma era industrial

Nesse tempo um inventor
que era ainda rapazelho
formulando teorias
construiu um aparelho
com cilindro e chaminé
alavancas e espelho

Uma viagem no tempo
era o seu objetivo
pra pesquisar um motor
que fosse mais efetivo
e construir um modelo
num padrão definitivo

Partindo de uma praça
com a sua carruagem
abasteceu a caldeira
que movia a engrenagem
e acionou a alavanca
pra começar a viagem

Percebeu ao seu redor
ficar tudo diferente
Ele mesmo envelhecia
avançando lentamente
Depois de longa viagem
chegou no tempo presente

E quem estava na praça
espantou-se perguntando
o que era a geringonça
que surgia fumegando
e quem era o ancião
que estava pilotando

Estacionando a carroça
o mancebo envelhecido
sacudiu toda fuligem
que o deixava encardido
explicando à multidão
o que tinha acontecido:

– Eu saí lá do passado
com a minha engenhoca
em baixa velocidade
que é como se desloca
cruzando por um atalho
num buraco de minhoca

Nessa viagem cresceu
minha barba de ancião
Eu só podia guiar
com bastante lentidão
parando pra abastecer
quando faltava carvão

Vim aqui pra pesquisar
se no tempo de vocês
já existe um motor
com mais força e rapidez
e quero saber qual é
a força motriz da vez

Ouvindo aquela questão
que por ele foi proposta
apareceu um sujeito
formulando uma resposta
mostrando a evolução
numa direção oposta:

– Está tudo diferente
no período atual
Temos avião a jato
e o foguete espacial
e ainda o trem bala
veloz na horizontal

O preço de tudo isso
é total poluição
e nossa sociedade
com a contaminação
vive na era atual
com saudade do carvão

Pois numa escala global
a natureza suspira
o progresso avassala
a poluição conspira
e um dia irão cobrar
pelo ar que se respira

Estão sempre acontecendo
desastres ambientais
promovendo o extermínio
de plantas e animais
e trazendo mais doenças
que aos homens são letais

O progresso parecia
ser bastante vantajoso
trazendo prosperidade
num ciclo vertiginoso
mas o dano correlato
o tornou dispendioso

A ciência já conhece
as entranhas da matéria
mas todo o seu cabedal
não reduziu a miséria
e ainda trouxe pra nós
uma seqüela mais séria

Cientistas produziram
pra nações beligerantes
as ogivas nucleares
de efeitos fulminantes
que fazem uma cidade
sumir em poucos instantes

Se diante do progresso
a humanidade se dobra
avançando pro futuro
com prejuízos de sobra
a degradação do mundo
é o preço que se cobra

Ouvindo a explicação
o inventor espantado
perdeu a motivação
que trazia do passado
de pesquisar o futuro
pois ficou desapontado

– Eu vim aqui procurando
acelerar o processo
mas vejo que o presente
não conquistou o sucesso
pois me deixa assustado
o que vem com o progresso

A degradação do mundo
me pegou no contrapé
É pior que a fuligem
desta minha chaminé
Vou subir no meu vagão
e acionar a marcha a ré

Dito isto o inventor
sentou-se na carruagem
e acionou a marcha a ré
que movia a engrenagem
mas somente interessado
em retornar da viagem

Mas como ainda testava
o que tinha inventado
observando os espelhos
descobriu desconsolado
que a carruagem do tempo
não voltava pro passado

Como era impossível
retornar pelo trajeto
saiu da sua cabine
desmontou cada objeto
amassou as engrenagens
e rasgou o seu projeto

FIM

Os invasores reptilianos

Nova Iorque é conhecida
por sua prosperidade
que pra muitos representa
a plena felicidade
Como um sonho americano
tornado realidade

A história aqui narrada
neste cenário pomposo
mostra como um cidadão
de um modo embaraçoso
descobriu casualmente
um segredo espantoso

Ele foi pra Nova Iorque
por estar desempregado
Amargando algum revés
estava determinado
a recomeçar a vida
com o trabalho pesado

Mas no quarto da pensão
onde ele era cliente
certa noite escutou
um barulho diferente
Era a polícia chegando
no endereço da frente

Da janela observou
um galpão sendo cercado
e quem estava lá dentro
viu saindo algemado
Um grupo talvez de cem
foi no camburão levado

Viu policiais saindo
para fora do galpão
cada um com um pacote
embrulhado em papelão
e aquele material
carregado em camburão

O sujeito ali pensou
que o pacote misterioso
era droga ou contrabando
de um grupo criminoso
e o líder da quadrilha
traficante ou mafioso

– Com a bandidagem presa
a gente dorme sem medo
e agora quero dormir
que amanhã acordo cedo
Nos jornais terá manchete
explicando esse enredo

Quando foi no outro dia
precisando encontrar
nas agências de emprego
um lugar pra trabalhar
foi tomar café bem cedo
decidido a procurar

O hoteleiro sabendo
lhe emprestou o jornal
Procurando nos anúncios
das empresas do local
achou logo uma vaga
pra trabalhador braçal

E lembrando a invasão
do galpão pela polícia
onde na noite passada
concentrou sua milícia
quis saber se o jornal
destacaria a notícia

Folheando interessado
os cadernos do diário
constatou a variedade
que tem o noticiário
mas daquela operação
nem sequer um comentário

E quando saiu pra rua
passando pelo galpão
viu estar abandonado
mas aberto o portão
e no pátio um pacote
tinha ficado no chão

Intrigado como estava
achou que fosse sensato
olhar o seu conteúdo
notando de imediato
que aquilo no pacote
eram lentes de contato

Pra aumentar o mistério
encontrou uma revista
dentro do mesmo pacote
que não dava uma pista
Só mostrava reportagem
propaganda e entrevista

Resolveu testar a lente
que havia encontrado
lendo aquele magazine
porque estava intrigado
ou quem sabe curioso
pra saber o resultado

Com a lente seu olhar
se desfez de uma bruma
e passou a enxergar
só a mensagem CONSUMA!
Além dela na revista
não havia coisa alguma

Surpreso com a visão
sem avaliar do tanto
foi olhar em seu redor
percebendo com espanto
só a mensagem CONSUMA!
repetida em todo canto

E andando pelas ruas
só enxergava a mensagem
Os letreiros e cartazes
com a mesma abordagem
tinham a ordem CONSUMA!
escondida na imagem

Mas somente na esquina
de um bairro conhecido
foi que o sujeito ficou
plenamente convencido
do tamanho da encrenca
em que havia se metido

Viu um grupo de pessoas
passando na sua frente
constatando assustado
através da sua lente
que todas elas estavam
com um rosto diferente

Elas tinham a cabeça
com formato ovalado
uma boca de lagarto
um olhar esbugalhado
as ventosas sem nariz
e o restante escamado

Como estava surpreso
com aquela descoberta
e não tinha decidido
a quem daria o alerta
foi seguindo os lagartos
por uma rua deserta

Os chupa-cabra chegaram
diante de um portão
e abrindo o cadeado
desceram para o porão
Ele atrás foi espiar
percebendo ocasião

Foi ali que descobriu
que eram reptilianos
invadindo o território
dos povos americanos
pois ficou amufambado
escutando os seus planos

O grupo dos invasores
tinha uma agenda global
já prevendo a criação
do governo mundial
do tal estado de sítio
e de um banco central

– Já no alto escalão
ocupamos patamares
Agora estamos testando
em todas ruas e lares
as antenas transmitindo
mensagens subliminares

Pra tomarmos o poder
vamos dar por garantia
liberdade de expressão
respeito à cidadania
o direito de ir e vir
igualdade e utopia

Ouvindo aquelas palavras
de trechos reveladores
concluiu que o poder
que está nos bastidores
tinha base nesse grupo
de lagartos invasores

De repente um calango
descobriu ele escondido
avisando os invasores
para que fosse detido
e fugindo para a rua
foi por eles perseguido

Procurando se esconder
viu que uma criatura
num relógio-transmissor
chamou uma viatura
que cercou aquela rua
pra fazer a captura

Num sinistro camburão
o sujeito foi jogado
e ninguém soube dizer
para onde foi levado
Da história aqui contada
nada mais foi apurado

O SARAU DA NATUREZA

O sarau da natureza
é festiva reunião
Um momento da beleza
de elevada inspiração
Onde todos elementos
compartilhando talentos
com canção ou poesia
expressam a pura arte
Cada um faz sua parte
em sublime harmonia

O sol chega declamando
o poema da aurora
pra ficarem escutando
toda a fauna e a flora
A esperança é o tema
dos versos desse poema
o mais bonito que fez
As estrelas e o luar
também sabem declamar
quando chega sua vez

As pedras ouvem silentes
o rio sempre a cantar
a cantiga das correntes
sem sequer desafinar
A montanha aprecia
sua linda melodia
e o timbre da sua voz
As notas vai entoando
e continua cantando
quando chega em sua foz

Preservando o costume
no salão do ecossistema
tem a dança do cardume
no baile da piracema
As aves também dançando
pelos ares revoando
não ficam fora da festa
As plantas dançam no chão
no compasso da canção
que se escuta na floresta

Mas esse lindo sarau
o homem quer encerrar
Pra riqueza natural
com ganância explorar
promove o desmatamento,
extinção, poluimento
pensando nos lucros seus
e esquece que a natureza
sempre mostra a beleza
que foi criada por Deus

Vende-se um sítio

Quando Olavo Brás Bilac
naquele tempo passado
já era em nosso país
um poeta renomado
por amigo certo dia
na rua foi abordado:

– Você que sempre visita
a minha casa rural
que eu preciso vender
por motivo capital
poderia redigir
o anúncio do jornal?

Aceitando o pedido
com disposição completa
ele pegou o papel
pensando na sua meta
e redigiu o anúncio
no seu jeito de poeta:

Vende-se um lindo sítio
afastado da cidade
onde você vai gozar
descanso e felicidade
que só preciso vender
por muita necessidade

Sua casa proporciona
um conforto permanente
É pela manhã banhada
nos raios do sol nascente
A varanda tem à tarde
uma sombra envolvente

Tem pomar que o ano todo
é o salão onde as aves
executam seus gorjeios
em sinfonias suaves
e as falenas no canteiro
adejam entre as agaves

Tem no silêncio da noite
lua mostrando recato
quando a brisa deleitosa
embala as plantas do mato
e você dorme escutando
o acalanto de um regato

E o poeta entregou
o anúncio a seu amigo
com aquela cortesia
que havia no tempo antigo
pra publicar no jornal
ao lado de algum artigo

E passado algum tempo
se encontraram novamente
e o poeta perguntou
ao amigo de repente
se tinha vendido o sítio
no valor correspondente

– Nem estou pensando nisso
pra não ter um prejuízo!
Quando li aquele anúncio
tão bonito e preciso
desisti na mesma hora
de vender meu paraíso!

Rotação

Navegando no céu serenamente
vão as nuvens iguais a caravelas
Com o vento estufando suas velas
atravessam um grande continente
Quando o sol vai chegando no poente
ele espraia uma luz alaranjada
Uma escala de cores é pintada
com esmero na tela da paisagem
É sem par o encanto dessa imagem
pelo céu e o lago emoldurada

Na descida o sol com sutileza
o final do seu turno anuncia
Mas a graça da sua poesia
nesse ato não perde a natureza
Por mostrarem toda sua pureza
cada estrela é um raro diamante
No avanço da noite incessante
quando é pleno seu escurecimento
nessa concha maior do firmamento
é a lua uma pérola gigante

Ao depois quando a doce madrugada
antecede os primores da aurora
uma a uma as estrelas vão embora
pois o sol já retorna da jornada
Novamente a natura é matizada
pela sua paleta reluzente
Quando já se afasta do nascente
lá no alto as belezas mais singelas
são as nuvens iguais a caravelas
navegando no céu serenamente