Nas frias manhãs de inverno
circulam céleres nas ruas,
homens, mulheres, crianças,
mirando o relógio a cada dúzia de passos.
Nas noites longas, com sono, ao relento, encolhem-se embaixo das marquises,
outras pessoas, excluídas, sem teto,
sem pão, sem cobertor e observam:
O passo firme
de quem tem um lugar aonde chegar,
um trabalho, uma escola, um lar enquanto…
O olhar fixo na multidão que passa ao largo,
nenhum gesto para a mão que se estende,
enrijecida pelo frio,
enquanto outras mãos se fecham e enrijecem pela indiferença…
Só de soslaio, entre uma parada compulsória
entre semáforos ou quiçá por um breve descuido,
se fica diante da triste realidade, das desigualdades sociais…
Afinal, será sempre mais cômodo buscar explicações ou culpados para as assimetrias sociais, do que efetivamente contribuir,
a nível pessoal ou coletivo, para reduzi-las…
Ao ouvir a música em tom de recolhimento de Vivaldi, em "As Estações – O Inverno", pensei nestas pessoas,
como se fossem mariposas querendo entrar pelas frestas das janelas em busca de luz, calor, segurança…
Nas asas do pensamento, pensei nos amigos, como se guias fossem dos portais do tempo, estendendo os braços
para o ancoradouro do abraço que conforta…
Como também, imaginei os amigos, expandindo os espaços de suas consciências críticas e, incorporando outras demandas sociais às suas justas causas e lutas…
Ao final, refletindo sobre a indiferença, condenação e exclusão deliberada, assistida, vista, sentida (?), consentida e televisada de milhões de seres humanos:
De nossos ancestrais africanos aos retirantes da seca; dos favelados, sem terra e sem teto – o que resta fazer a essa gente senão mostrar seu valor e lutar pelo que lhe é de direito?
São apenas números, como era o de Jean Valjean (Os Miseráveis, Victor Hugo) – que são frios e muitas vezes manipulados?
Que flutuam aos interesses elitistas e insensíveis de uma grande parcela da sociedade, individualista, narcisista e utilitarista por natureza (que natureza desumana essa)…
Ah, onde está o coração dos homens?
Bate em algum lugar no peito,
rubro coberto de vergonha ou vestido pelo pericárdio manto da indiferença para muitos
E, clamando, em um chamado vital,
para outros como um apelo pela justiça, solidariedade, e pelo combate
às iniqüidades de nosso tempo…
AjAraújo, escrito no dia dos pais – ausentes ou presentes, das nações ou das famílias. Em 10/8/03.
http://ajaraujopoetahumanista.blogspot.com/